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UNIÃO DE TODOS

Sem distinção entre 1º e 2º graus de jurisdição

Miguel Petroni Neto, desembargador e 1º vice-presidente da Apamagis

Desnecessário seria dizer como a união de todos os Magistrados é de grande relevância para manutenção das garantias e direitos do Poder Judiciário. Todavia, é preciso que de tempos em tempos se reafirme esse princípio, não porque ele seja efêmero, mas porque a sociedade é movimentada por momentos políticos e sociais que por vezes, contraditórios aos propósitos da vida comum, criam grupos divergentes. E a divergência não leva só ao voto vencido, mas a instabilidade da Instituição. O Juiz já tem o exercício da judicatura como solidão, desapegado a valores materiais e em muitas ocasiões fica distante da família em decorrência do excessivo trabalho. Em situações de instabilidade política e de comoções sociais, ainda que discretas, a força conjunta para proteção dos direitos e garantias é de suma importância. O distanciamento, que o seja, só para combater o vírus, não para desestruturar magistrados e magistradas, enfraquecendo quem não pode enfraquecer, sobretudo em momento de instabilidade. Cabe, assim, nossa reflexão para alinharmos propósitos comuns e para que não sejamos aviltados em qualquer direito e juntos conseguirmos manter as garantias da função jurisdicional.

A institucionalização política do juiz

Vida associativa transforma o magistrado togado em ser ativo e consciente

Regis Fernandes de Oliveira, desembargador aposentado e ex-presidente da Apamagis e da AMB

Muito se fala sobre a politização do Judiciário ou a judicialização da política. A perspectiva é real. O juiz não é robô nem está indiferente à realidade. Um dos grandes textos que já li é “A ideologia alemã” de Marx. Enquanto Hegel se debatia com o idealismo, Marx preocupava-se com o homem real, de carne e osso (expressões do autor). Muito se escreveu sobre o juiz (eu mesmo – “O juiz na sociedade moderna”, ed. FTD, ed. 1997, Carnelutti, Antoine Garapon, José M. González García). Alguns acham que é um ser alienado da sociedade e que não pode participar da vida política. Outros entendem-no distante de tudo e de todos, isolado. Sempre me bati pelo juiz incluído na sociedade. Que a discute, que pondera sobre ela, que se relaciona com a imprensa, que se posiciona politicamente. Uma coisa é o juiz sentenciador (este deve ser imparcial); outra é o ser embutido na sociedade e que dela faz parte, com seus defeitos e virtudes. Nem por outro motivo escrevi sobre as paixões no direito (“Interpretação, paixões e direito”, ed. Novo Século, 2020). O magistrado (a) é um ser como qualquer outro, com sua consciência, com sua compreensão dos fenômenos e sua interlocução com a sociedade. Sempre pensando de tal forma foi que resolvi participar da vida associativa. É através dela que o magistrado togado se transforma em ser ativo e consciente. O que isso significa? Manter boa cultura, aprimorar-se na leitura dos textos, fazer pós-graduação, imiscuir-se em leituras plurais, conectar-se com o mundo e, enfim, opinar sobre tudo que está a sua volta. O magistrado (a) que apenas lê a lei é pobre. Deve interpretá-la e inseri-la na vida, como quis Marx. A participação associativa proporciona isso. Sair da prisão exclusiva da lei. Viver outros ambientes, tais como o relacionamento com integrantes dos outros poderes da República, com a imprensa, com empresários, com entidades de benemerência, com a pobreza, com a insanidade. Por isso que na pós-graduação da USP levo os alunos para visitar a cracolândia para que vejam como é a realidade. Na saída da faculdade já se sente a brutal diferença entre ricos e pobres. Logo, o direito não pode ser um só. Há vários. A leitura de romances, filosofia, sociologia, teatro nos fornece instrumentos para melhor compreensão da realidade e do papel do juiz. Por isso é que participamos ativamente da elaboração da constituinte de 1988. Praticamente moramos em Brasília em contato com todos os parlamentares, líderes, presidente e vice, integrantes da Mesa do Congresso, do Senado e da Câmara. Imiscuímo-nos nas discussões congressuais para a elaboração da Constituição. Conversa difícil, pela teimosia em ver na magistratura uma classe alienada, passiva e aproveitadora, que não se expõe, que exige e que é identificada como classe privilegiada e que dá de ombros às diferenças sociais. Posso entender que haja juiz que assim sinta. Mas, a maioria da classe não, e tivemos que levar ao constituinte o sentimento solidário da magistratura. Cometemos a ousadia de mostrar que o juiz é um ser preocupado com a sociedade. De carne e osso. Obtivemos conquistas: equiparação percentual de vencimentos com o STF; manutenção de prerrogativas funcionais que nos queriam subtrair; manutenção de magistrados do Estado nas funções de juiz eleitoral e outras tantas conquistas. O trabalho foi insano, mas compensador. É que o juiz não compreende os demais Poderes e estes não compreendem o papel do juiz. Para este os parlamentares são desonestos e vivem de negociatas; para aqueles o juiz é um acomodado e procura apenas benesses pessoais. A Apamagis, que tive a honra de presidir, assim como a AMB e a latino-americana, propicia ao magistrado momentos de participação ativa. O mais importante a meu ver é a inserção do juiz no amplo debate de temas centrais, como literatura, teatro, filosofia, história, sociologia, todos ramos do conhecimento que têm estreita relação com a função de julgar. Como não saber que o júri nasce no teatro grego bem como a decisão de Athena – Minerva em Roma (veja Ésquilo, “As Eumênides”), e que o conceito de princípio e de superioridade dos direitos constitucionais já tiveram previsão na “Antígona” de Sófocles quando afirma que não compreende que um decreto de um mortal pudesse revogar o direito dos deuses (alguma semelhança com princípio e regra? Ou com o conceito de direitos fundamentais?). Os problemas só podem ser solucionados se colocados em um contexto. Como disse Morin (Edgar), que completou cem anos no último dia 8 de julho, não se pode pensar empilhando fatos, mas a compreensão dos problemas há de ser interdisciplinar, diversificado e organizado para se ter o que rotula de pensamento complexo. O magistrado não pode, por isso, ser mero leitor de leis. Sempre entendemos que seja um ser integrado na sociedade. Jamais pode ser parcial e não é neutro. Parcial no sentido de distorcer análise de fatos que possam favorecer a uma das partes; neutro no sentido de pretender ser imune a suas paixões, seus sentimentos, seus desejos. Esse é o juiz de carne e osso, o homem real a que se referiu Marx. O embate associativo faz parte do dia a dia da entidade de classe. A persuasão e o convencimento que temos que transmitir aos deputados e senadores, as apreensões dos juízes, o trabalho excessivo, o esgotamento intelectual, a exigência da sociedade que tornam a atividade altamente desgastante. O escudo para tudo isso é a entidade de classe. Ela tem feito um trabalho primoroso ao longo dos tempos. Nem sempre perceptível para o associado que se alheia e critica o desempenho de seus dirigentes. Sequer o analisa. Em crítica aleatória, despossuída de razão e gratuita menospreza o trabalho associativo. Como é cômodo criticar os parlamentares e chefes do Executivo. Nunca olhamos para nós mesmos. É mais fácil lançar crítica aos outros. É cômodo justificar nossos erros apontando os dos outros. Já estou distante da magistratura há anos, mas nunca me alienei das preocupações com a classe. Adoraria despertar em todos o estímulo para uma participação efetiva na discussão dos problemas da entidade, da inserção política, das preocupações não somente com vencimentos, como é a praxe, mas com a depuração da magistratura para que se constitua, de verdade e não apenas na teoria, em norte para a sociedade. Quisera dizer que estou sonhando acordado. Mas, é bom sonhar.

Vida longa para a Apamagis

Imensos desafios e trabalho intenso

Henrique Nelson Calandra, desembargador aposentado e ex-presidente da Apamagis e da AMB

Durante vários anos pude testemunhar e ser protagonista de grandes momentos da nossa vida associativa. Comecei muito cedo no Departamento Cultural, quando era presidente nosso querido desembargador Odir Porto. Realizamos iniciativas importantes, como o 1º Congresso Brasileiro sobre Desapropriação. Pela primeira vez em nossa história, reunimos centenas de juristas para homenagear um dos maiores ícones do Direito Público, nosso colega Hely Lopes Meirelles – foi a última homenagem que ele recebeu ainda em vida. Para a época, foi um imenso desafio, pois nunca antes havíamos discutido temas ligados a nossa atividade jurisdicional de forma aberta. A situação nesta área era crítica, e depois deste Congresso muita coisa mudou, já que com as obras viárias e do Metrô haviam milhares de desapropriações, e as pessoas sofriam com as imissões na posse sem prévia indenização.  Colaboramos em várias causas humanitárias, socorrendo inclusive colegas nossos que tinham necessidade de transplante de órgão em outro país. Tínhamos também que nos preocupar em resgatar os  salários de nossos  servidores e dos magistrados que, no jogo político, sempre ficaram para trás.   Foram décadas de intenso trabalho sempre ao lado de grandes líderes como Francis Davis, Regis de Oliveira, Sérgio Rezende, Sebastião Amorim, coroando minha trajetória ao assumir a Presidência da Apamagis, acompanhado de Paulo Dimas de Bellis Mascaretti e Roque Mesquita. Sempre lutamos para termos todos os magistrados filiados a nossa entidade. Com isto, hoje, sob a Presidência da nossa impecável presidente Vanessa Mateus, chegamos a números expressivos de filiados. O programa de apoio e proteção aos associados é muito amplo, do lazer à vigilância das prerrogativas, à assistência médica. E, nestes tempos de CNJ (Conselho Nacional de Justiça), com debate constante, exigência de melhores meios para o juiz de primeiro grau, mas também discussão do imenso número de processos em segundo grau. Estamos caminhando a passos largos para um futuro totalmente informatizado, mas sempre respeitado o acesso pleno das partes e advogados ao Poder Judiciário. Tive a honra também de alcançar a Direção da AMB, onde dediquei-me de corpo e alma às grandes causas que envolveram a Magistratura brasileira. Feliz de ter combatido com coragem todos aqueles que se colocaram contra a Magistratura, seja atentando contra a vida de alguns, seja com bandeiras totalmente falsas, tentando subtrair as garantias básicas para um Poder Judiciário independente e para uma vida democrática autêntica. Comemoremos as nossas décadas de lutas, agora na casa dos 68 anos. Que venha o futuro, porque heróis e heroínas não nos falta, vida longa para nossa Associação.